Aproximar o “mundo da surdocegueira” da sociedade. Essa é a proposta do especialista em educação especial Alex Garcia, no livro “Surdocegueira: empírica e científica”, que foi lançado na 54º Feira do Livro da Capital, no último domingo (2), também em formato acessível em MP3.

A obra foi concebida a partir das experiências pessoais de Garcia, que é surdocego, no seu trabalho como ativista da inclusão. Na tentativa de elucidar esta deficiência sem os “medos” que a cercam, “Surdocegueira: empírica e científica”, ressalta através de conhecimentos específicos desta condição e metodologias para a intervenção educacional, soluções para um mundo mais solidário e pautado pelo respeito. Confira a entrevista a seguir, onde o autor destaca alguns tópicos do livro, fala sobre preconceito contra deficientes e lança idéias para uma melhor convivência em sociedade.

PORTOWEB – Qual o objetivo específico “Surdocegueira: empírica e científica”?
Criar um movimento de inclusão social, de liberdade, autonomia e soberania plena das pessoas surdocegas. Demonstrar que nossas “diferenças” não são obstáculos impossíveis de serem transpostos. Que queremos e podemos ensinar e aprender como todo e qualquer cidadão.

PW – Quando surgiu a idéia de escrevê-lo?
A idéia amadurecia a cada dia. A cada “negação” de nossa identidade e de nossos direitos. Das exclusões cotidianas e da intensa necessidade de ser e existir dos surdocegos Não é uma idéia unitária, mas sim, a soma de fatos passados e presentes.

PW – Como foi o processo de criação?
O processo é sem duvida um dos “motores” do movimento que pretendo criar. A edição foi autônoma e libertada. Com minhas condições de pessoa com deficiência me cadastrei na Biblioteca Nacional como “Editor Pessoa Física” e assim mantive a total soberania sobre a edição do livro. Como editor busquei todos os registros necessários e acompanhei a organização da obra em formato impresso e também no formato acessível áudio-livro. A edição é um verdadeiro ato de cidadania, liberdade e autonomia de uma pessoa com deficiência.

PW – Como são expostos os conteúdos?
O livro está organizado em cinco capítulos num total de 150 páginas. Contêm glossário de termos, referências bibliográficas e anexos. Primeiramente, faço reflexões sobre conceitos e classificações de surdocegueira; depois destaco aspectos legais e, em seguida, as patologias causadoras de surdocegueira. Nos dois capítulos finais, abordo a educação de surdocegos; e por fim, destaco a surdocegueira pré e pós-simbólica.

PW – Sua experiência pessoal o influenciou para escrever o livro?
Totalmente. Em primeiro lugar como uma pessoa surdocega. Em segundo, como educador especial, pois me dedico à educação e ao desenvolvimento de surdocegos. As minhas atuações no Brasil e no exterior também influenciaram, pois me proporcionaram observar e refletir sobre diversas realidades.

PW – Você já sofreu algum tipo de preconceito?
Muitas vezes. A vida de uma pessoa com deficiência ou que apresenta “diferenças” está ou esteve marcada por preconceito. Mas estas atitudes, a medida que abalam nossa identidade, também impulsionam grandes transformações em nossas vidas.

PW – Com relação às políticas públicas voltadas para as pessoas com deficiência, o que você acha que ainda falta ser feito?
Acredito que temos que avançar mais na questão das relações de poder existentes em nosso meio e que organizam e desenvolvem as políticas públicas. Estou desenvolvendo esta reflexão nestes últimos tempos em minhas palestras. Parece complexo, mas o que desejo destacar é que precisamos de mais “poderes” nesta relação. Assim será possível abolir a condição subalterna que muitos de nós nos encontramos e, então seremos mais agentes deste processo.

PW – Qual o papel da educação e das escolas no cultivo dessa prática?
A educação é a única forma de desenvolvermos mentes libertadas e democraticamente orientadas na prática dos direitos e deveres. A escola, por sua vez, tem sua importância, pois é um dos locais onde transmitimos esses valores. Convêm destacar que a educação e a escolas são na verdade “fundações” geridas por pessoas humanas. A responsabilidade é na verdade de nós mesmos.

PW – E quanto à inclusão social. Você acha que há avanços?
A inclusão social está avançando muito bem. A cada dia observo atitudes com caráter inclusivo por todo o Brasil. Estamos dando passos à frente, e não podemos retroceder, pois a inclusão social é uma constante.à medida que nós evoluímos.

PW – Como se dá a articulação entre o respeito e a atenção?
O respeito é algo humanamente construído e se mostra, ou pelo menos deveria, nas relações de pessoa para pessoa. A atenção coloca-se neste plano mais na esfera política de direitos e deveres. Respeito e atenção devidamente articulados e desenvolvidos seria o que ainda batalhamos para alcançar. Às vezes temos o respeito por nosso semelhante, mas negamos atenção a este. Outras vezes a atenção é considerada, porém de uma forma “amarga” e bastante desrespeitosa, com ar de obrigação.

PW – Como você define a importância de “Surdocegueira: empírica e científica” para a sociedade?
É importante para a descoberta daqueles que vão ter o primeiro contato com a surdocegueira. Para aqueles que já tem contato terá a continuidade como importância. Descoberta e continuidade são a essência de uma sociedade democraticamente voltada ao futuro.

PW – Qual a importância do olhar atento para uma sociedade mais harmoniosa e justa?
A importância está em que o mundo não irá acabar em breve. Nossas gerações irão permanecer e estas pessoas gostariam de viver num ambiente harmonioso. É nossa responsabilidade, neste momento presente, deixar algo de bom a nossos semelhantes.

PW – Como você definiria esse olhar?
Amor e cumplicidade!

19 de novembro, 2008
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